quinta-feira, janeiro 29, 2009

Espectador


À medida que ficamos velhos, aquelas ocasiões capazes de nos surpreender tornam-se mais raras. Vemos mais coisas, presenciamos situações, reagimos e nos acostumamos. A partir da segunda vez, o impacto é menor e dificilmente somos capazes de experimentar aquela sensação tão boa do primeiro contato com algo maravilhoso, assustador ou exageradamente engraçado.
Contraditoriamente, algumas manifestações artísticas funcionam, ao menos comigo, de forma absolutamente oposta. A música é a principal.
Certamente, existem aquelas canções que à primeira audição impressionam, para em seguida revelarem-se banais, desprovidas de qualquer atrativo. Por coincidência ou sorte, geralmente essas canções figuram no gênero “popular” (aqui no sentido amplo, mesmo porque seria redundante ater-me àquele gênero bastante conhecido que com o passar dos anos passou a me inspirar desprezo). Um bom exemplo é “Shy boy” de Katie Melua. Outro é qualquer canção com Norah Jones. Por alguma razão, essas já foram promovidas àquelas que me irritam desde o primeiro acorde.
Mas existem outras, ah, essas outras, que são como um bom vinho ou o nosso jeans favorito, melhorando com o passar do tempo.
A primeira impressão não é a mais importante. Existem várias que conquistam sem muito esforço e são instantaneamente admiradas. Outras comportam-se como aquela amiga feia com quem um dia você se casa, pois vão te conquistando aos poucos e no fim você é capaz de jurar fidelidade eterna.
Seja qual for o princípio, o que importa mesmo é o percurso. O fim não existe, pois coincide com o nosso, e esse eu ainda não conheço pessoa (sã) capaz descrever.
Enfim, o percurso é o elemento fundamental desse relacionamento que vivemos com a música. Músicas que acompanham nosso ritmo, nosso humor e que servem tanto para os dias de glória quanto para os dias tristes. Músicas que nos provocam arrepios e lágrimas e que nos obrigam a aumentar o volume até que elas sejam onipresentes, calando inclusive os pensamentos.
Quando ouvi “La Bohème”, de Puccini, pela primeira vez, achei a ópera meio xarope. As circunstâncias permitiram que eu a assistisse por cinco noites consecutivas e eu me apaixonei pelo segundo ato. Quase quatro anos depois eu ainda me arrepio com a valsa de Musetta (Quando m’en vo), mas é Oh Dio! Mimì! o pezzo que me embaça a vista.
A sinfonia Eroïca, hoje minha fiel e mais versátil companheira, foi ignorada por anos, literalmente desprezada ao proveito da Pastoral. Esta última jogou sujo, vendeu-se aos pincéis de Walt Disney e aliou-se à mitologia grega, grandes afrodisíacos da minha infância. Devo admitir, a Eroïca me irritava porque eu não a entendia, não podia prever seus passos e não conseguia seguí-la aos assovios (para o alívio de muitos). Agradeço aos céus por ter-me concedido o dom da persistência.
Hoje teve início uma nova amizade que me parece bastante promissora. Les Contes d’Hofmann, de Jacques Offenbach, arrebatou-me o coração sob risos e surpreendentemente sem lágrimas. Esta ópera fantástica (mais pelo tema que pelo efeito) parece vinda daquelas fábulas de Perroult, onde o final nem sempre é feliz. Sou um novo fã de Olympia, desprezo Antonia, desdenho Giulietta e sonho com Stella.
Tenho certeza que em alguns anos os nomes permanecerão nos mesmos lugares enquanto os verbos brincarão de dança das cadeiras.
Enquanto isso, permaneço na minha condição de espectador, à espera da próxima sensação, ou do próximo desafio a longo prazo.

terça-feira, janeiro 27, 2009

Sobre as santas



Quem gosta de mulher santa? Eu não.
Não se trata de uma reflexão baseada unicamente (!) em perversão. Eu só acho que gente santa é uma farsa.
Talvez em outro momento eu decida discutir a questão da igreja, da fé, ou ainda a questão do altruísmo (essa coisa que na realidade não existe...). Hoje só vou comentar sobre as santas. Mais precisamente sobre Santa Teresa.
A história é a seguinte: em Roma existe uma igreja chamada Santa Maria della Vittoria, onde está a famosa estátua do Êxtase de Santa Teresa. O próprio título da estátua é sugestivo e você já chega na igreja pensando sacanagem. Mas é a partir do momento que você vê a estátua que o estrago está feito. Independentemente do tamanho da sua fé, grandes são as chances de você pensar “aí tem coisa...”
Efetivamente, à primeira vista já é possível constatar que nossa amiga Teresa está tendo um daqueles orgasmos destruidores. Boca semi-aberta, olhos semi-serrados, aquela posição meio curvada com o peito estufado para frente e a expressão de “missão cumprida” não deixam dúvidas. Em seguida você se dá conta de que uma das mãos da sujeita está escondida enquanto a outra está com os dedos meio curvados para cima. A grande sacada do escultor (Bernini) está em transferir o foco ao anjo que está a lhe abalroar com flechas.
Esperta, nossa amiga Teresa tratou de pôr a culpa no Senhor e com isso lhe foi concedida carta branca para prosseguir em suas ruidosas investidas noturnas rumo ao êxtase.
Transcrevo parte de seu relato:
"...Vi que trazia nas mãos um comprido dardo de ouro, em cuja ponta de ferro julguei que havia um pouco de fogo. Eu tinha a impressão de que ele me perfurava o coração com o dardo algumas vezes, atingindo-me as entranhas. Quando o tirava, parecia-me que as entranhas eram retiradas, e eu ficava toda abrasada num imenso amor de Deus. A dor era tão grande que eu soltava gemidos, e era tão excessiva a suavidade produzida que essa dor imensa que a alma não desejava que tivesse fim nem se contentava senão com a presença de Deus. Não se trata de dor corporal; é espiritual, se bem que o corpo também participe, às vezes muito. É um contato tão suave entre a alma e Deus que suplico à Sua bondade que dê essa experiência a quem pensar que minto..."
Sinceramente, Madonna em “Like a Prayer” conseguiu ser mais ambígua nas figuras de linguagem.
Gostei de ver, Santa Teresa. Sob marcação cerrada das freiras, sob a pressão dos costumes da época, ela conseguiu tirar duplo proveito da situação, usando como alavanca para a sua ascensão política ninguém menos do que seu mais provável algoz. Um verdadeiro exemplo para as nossas atuais santas do pau oco que de tanto negar o crime, vão acabar queimando... o filme!

Eu (não) dedico este post à Sandy e Britney Spears.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Vampiros


Twilight, mais um filme chulé sobre vampiros.
Eu tenho uma doença hereditária: quando começo a ver um filme, por mais que ele seja uma porcaria, tenho que ver até o fim. Claro, existem algumas exceções. Quando o dramalhão é tanto que você já tem vontade de cortar os pulsos no começo, eu saio da sala. Quando eu tenho um compromisso mais importante no qual eu não posso chegar atrasado, ou melhor, no qual as conseqüências do atraso são mínimas ou - em casos de filmes muito bons, reparáveis, também posso pensar na possibilidade de sair da sala (não sem antes me atrasar um pouquinho...). A última exceção é quando eu durmo. Eu fico na sala, mas saio do filme.
Pois voltando aos vampiros, eu acho filme de vampiro uma sacanagem. Fico até feliz quando o filme é vagabundo porque assim o efeito da sacanagem é consideravelmente reduzido. Os caras são mais bonitos, inteligentes, apaixonantemente sarcásticos e têm toda a eternidade para estudar peças de piano, ler todos os livros, juntar bastante dinheiro e viver em castelos cheios de estantes que ficam constantemente vazios, pois na maior parte do tempo eles estão viajando. Chato, né? Pra piorar, nos filmes mais recentes eles resolveram acabar com o mito da aversão à luz do dia e fizeram, como que para compensar, os vampiros parar de dormir. P-L-E-A-S-E!! Como se dormir já não fosse a maior perda de tempo dessa vida. Quem teve a brilhante idéia de trocar uma desvantagem pequena por uma vantagem absurda?
Aí tem a Anne Rice que resolve da uma trégua para nós, humanos, e retrata os vampiros como umas criaturas muito "blazées" e entediadas de todo esse tempo que eles têm para passar no mundo. Não caio nessa, acho tudo uma estratégia mequetrefe para a gente pensar que existe um lado ruim da história.
Porque, vamos ser sinceros. Quem nunca reclama da falta de tempo? Ou da falta daqueles poderes especiais tipo ler a mente alheia, prever o futuro, escutar bem longe...
Parece tudo uma grande ironia pois se infelizmente o consenso geral nega a existência dos vampiros, na realidade eles estão por tudo, mas encarnados de uma forma ainda mais chata que a Anne Rice jamais poderia imaginar. São aqueles sangue-sugas de energia alheia, pessimistas de plantão que conseguem drenar o bom humor com um único gesto. Desses, sinceramente, eu não tenho inveja.
Mas voltemos aos vampiros dos quais eu tenho inveja. Esses vampiros jamais entrariam nesta sinuca de bico em que eu me meti escrevendo sobre eles. Afinal, o que diabos dizer agora? Que eu queria ser um vampiro? Opa, tanto quanto eu queria ser Harry Potter! Claro que eu não queria ter vivido com meus tios durante minha infância, mas eu certamente acharia muito prático resolver meus problemas com uns flip-flops de varinha.
Um dia meu professor de técnicas de programação colocou a seguinte citação numa prova: "Nunca ore suplicando cargas mais leves, e sim ombros mais fortes". Grande filosofia de livro de auto-ajuda, na minha opinião. De um tal Philips Brooks, famoso padre americano. Se duvidar meu professor tirou a citação de algum livro de programação de outro americano e nunca soube quem foi o tal Brooks, mas isso não vem ao caso. A questão é que os vampiros têm os ombros mais fortes, com os quais praticamente toda carga é leve: vida fácil sem peso na consciência.
Eu proponho uma outra solução. Não ore, pense nos vampiros, fique puto, lembre-se que eles não existem, erga a cabeça e faça o que diabos tiver que ser feito para resolver seus problemas.
Eu quero que a vida, cada vez mais difícil, seja sempre fácil. Quero, ué. Querer não dói, nem em mim nem em ninguém. Quero ser vampiro, Harry Potter, Wolverine, Superman. Quero continuar esse ritual de pensar neles, sonhar com o "e se?", sorrir e saber com tranqüilidade que os problemas contêm em si a própria solução (perdoem os pleonasmos). Funciona sempre e quando parece falhar é porque algo ainda vai acontecer.
Voilà, acho que são esses os meus ombros fortes. Não há carga que eu não agüente. Mas continuo achando filme de vampiro uma sacanagem.

Termino o post com o verdadeiro texto de Philips Brooks, que morreu solteiro (ela era da igreja anglicana...) em 23 de janeiro de 1893 e contribuiu intelectualmente ao processo de abolição da escravatura (que fortes ombros) nos Estados Unidos.
"O, do not pray for easy lives. Pray to be stronger men! Do not pray for tasks equal to your powers. Pray for powers equal to your tasks! Then the doing of your work shall be no miracle. But you shall be a miracle. Every day you shall wonder at yourself, at the richness of life which has come to you by the grace of God."

Santa wikipedia!

sábado, janeiro 17, 2009

Aquela palavra


Gostaria de poder começar a escrever sem aquela sensação de ter perdido todas as minhas idéias em um curto circuito. Minha capacidade criativa parece funcionar apenas em ocasiões na quais não há a menor possibilidade de registrar as idéias. As pobres acabam sendo desperdiçadas, esvanecendo-se sem jamais fazer parte de qualquer publicação. Talvez seja esse meu destino como escritor: enquanto eu insistir na idéia de escrever estarei amaldiçoado, destinado a discutir em cada conto, romance ou post, essa inevitável falta de criatividade que me assalta no momento mais indevido.
O problema é a tal da linguagem. A gente é muito habituado a falar de um jeito e escrever de outro, a bloquear na hora de transformar o discurso verbal em texto e querer utilizar um vocabulário que não é o nosso. Eu pessoalmente gostaria muito que meu vocabulário fosse assim tão bom quanto o vocabulário com o qual eu imagino meus textos naqueles momentos em que não posso escrevê-los. Se duvidar é como aquelas histórias que minha mãe me conta, de quando ela sonha em alemão.
Minha mãe tem mania de me dizer que na noite anterior sonhou um sonho todinho em alemão, no qual ela falava em alemão, interagia com outras pessoas falando alemão... assim, tudo em alemão. Eu sempre imagino o sonho dela em preto e branco, com pessoas vestidas tipicamente como aqueles alemães que a gente vê em festa folclórica. Sei lá por que. Enfim, nos sonhos ela tem todas essas conversas em alemão e, quando ela acorda, ela lembra de tudo, só que como ela não fala picas de alemão, fica faltando a tecla sap e ela não entende nada. Daí você fica imaginando a bizarrice da pessoa que além de lembrar do sonho inteiro, ao ponto de poder revê-lo como um filminho ao acordar, tem a capacidade de te dizer assim "ah, sei lá, não entendo nada", quando você pergunta pra ela o que diziam no sonho.
Pois então, eu quando estou andando pela rua, tenho esses "sonhos". Escrevo livros e livros, com histórias interessantíssimas e aquela linguagem que simplesmente flui. As palavras vem com uma facilidade enorme, brotam aqueles termos que quando a gente lê fica se perguntando como diabos o autor foi desenterrar a palavra exata que se encaixa em tal contexto... é como se escrever fosse tão fácil quanto falar. Aliás, não, tão fácil quanto PENSAR, porque pode crer que quando você quer contar a mesma história, fatalmente vai rolar o mesmo tilt e no fim das contas, por querer utilizar aquela mesma linguagem que você "sentiu" na imaginação, vai ser aquele bordel que nem você mesmo vai entender.
E é por isso que eu resolvi escrever por aqui de uma forma o mais semelhante possível daquela que eu falo, pois fala e escrita compartilham o mesmo "nível" enquanto o pensamento vai sozinho lá longe. Porque se eu quiser contar alguma coisa, opinar sobre outra, avacalhar com uma terceira ou seja lá qual for a minha intenção em publicar, tem que ser jogo rápido pra eu não deixar escapar a idéia.
Tinha esse advogado com quem eu trabalhei que escreveu um livro de direito tributário (sobre a multa moratória, mais foda foi não dormir no primeiro dia de trabalho enquanto lia) no qual ele se orgulhava de não ter usado a palavra "que". Eu sinceramente achei do caralho, todas as coisas se encaixando direitinho sem um mísero "que" pra conectar as idéias. Aí eu fui tentar, em uns rascunhos do que seria esse post, fazer algo parecido. Não é tão difícil... e realmente fica muito mais bonito, culto, bem escrito e todas essas coisas que as professoras de português esperam que sejam os seus textos. Mas não convence, sabe?? Não é MEU. Cada vez que, para não usar o "que", você tenta escrever a frase de outro jeito, acaba tendo que escarafunchar as profundezas do oceano em busca "daquela" palavra, aquela que vai te tirar da enrascada em que você resolveu se meter.
Prefiro começar simples. Não é a toa que por mania de grandeza eu passei tanto tempo frustrado com o "onde eu estava", pois era muito longe do "pra onde eu queria ir". E foi só quando eu resolvi aproveitar o "onde estou" que os meus passos tornaram-se contínuos o suficiente para que seja possível ir a algum lugar. Um lugar geralmente diferente daquele em que eu me imaginava antes de começar a caminhada.
Mas essas metáforas estão muito baratinhas e é melhor parar por aqui. Dois anos atrás eu fiz a mesma merda. Comecei com um post no qual a idéia principal era treinar a escrita para eventualmente escrever algo que preste.
Foi meu único post.
Agora se presta ou não eu já não ligo mais. Quero é que esteja escrito.